“Vendo
lixo e não tenho vergonha de falar, na minha caminhada foi fome, violência,
pobreza e roubar. Nasci pra sofrer, pode crer, pra cair, levantar, errar e
aprender. A caminhada é dura, tudo é fase. Zona oeste é meu lugar, nesse canto
da cidade. Eu sou a voz ativa da perifa, a voz dos oprimidos, a voz dos loucos,
das minas e dos bandidos, dos esquecidos pela sociedade, dos humildes que não
têm vez aqui nessa cidade.”
A melodia
e a letra notadamente urbanas do rap servem de canal para expressar as
angústias do catador de material reciclável e indígena wapixana Charlesson da
Silva, de 18 anos. Ele não tem vergonha de trabalhar como catador em Boa Vista,
capital de Roraima, mas o que quer para o futuro está fora dos lixões.
“Melhorar
de vida, melhorar a vida da família também. Voltei a estudar, né? E quero me
formar em direito. Tem o rap, mas também quero ter um trabalho assim, bacana”,
conta.
O rapper é
o orgulho da mãe, Mara Wapixana. Ela também coleta material no lixão, mas não
vai ao local com frequência. “Não desejo isso aqui pra ninguém, mas para não tá
pedindo nem tá roubando por aí, a gente fica por aqui mesmo.”
A montanha
de lixo à beira da BR-174, os urubus e o forte cheiro do chorume fazem parte do
ambiente de trabalho desses indígenas. O lixão acaba sendo a última
possibilidade na busca pela sobrevivência, como conta o presidente da
Organização dos Indígenas da Cidade, em Boa Vista, Eliandro Pedro de Sousa.
“Para quem não aguenta mais estar naquela situação de trabalho de exploração da
mão de obra, muitos não veem outra saída para sair daquela situação, senão
fazer a coleta seletiva no lixo. O fundo do poço da questão indígena urbana é a
presença no lixão.”
Para
buscar visibilidade e saber as principais demandas desses trabalhadores, o
projeto Nova Cartografia Social da Amazônia começou, em 2013, a atuar com os
indígenas coletores de material reciclável na capital de Roraima. A maioria dos
índios demandava a regularização da profissão de catador e o acesso a
documentos. A coordenadora da equipe de trabalho do projeto, Marineide Peres da
Costa, conta que grande parte dos indígenas é formada por estrangeiros, principalmente
da Guiana e, mais recentemente, da Venezuela. Para ela, o local é desolador.
“É um
ambiente muito pesado. Tá certo que é uma classe trabalhadora, mas ela não é
valorizada. Elas não conseguem a sustentabilidade do próprio trabalho. É muito
desvalorizada, principalmente as mulheres que estão ali em cima”, conta.
Funai
A Funai
acompanha de forma tímida a situação dos indígenas catadores, como define o
próprio coordenador da fundação em Boa Vista, Riley Mendes. “Quando a gente
começou a acompanhar, eles se dispersaram. Eles não queriam ser contados como
catadores de lixo. Foi muito tímido ali no início. Mas eles não se
identificavam como indígenas. Eles não queriam ser identificados como
indígenas.”
Para
alguns indígenas, a melhora de vida pode vir com a adequação do local à Lei de
Resíduos Sólidos, com a atuação de cooperativas e de uma usina de reciclagem. O
aterro sanitário de Boa Vista deve se adequar à lei até meados de 2018, segundo
a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Boa Vista. Os catadores, de acordo
com o secretário Daniel Peixoto, serão contemplados. Mas há um porém em relação
a indígenas estrangeiros.
“Não cabe
a responsabilidade da prefeitura nesse sentido. Se ele estiver ilegal no país,
eu não tenho como botar ele para trabalhar”, disse.
Mas a
possibilidade de mudança no lixão anima Márcio Wapixana, que espera trabalhar
com carteira assinada. “Vai ser carteira assinada, né? Aí vai ser bom agora. A
vida vai melhorar, de muita gente. Ainda mais para o pessoal daqui, que precisa
muito. Vão ser abertas três cooperativas, né?”
Por Maíra
Heinen, da Agência Brasil
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