Tecnicamente, ainda havia resquícios
democráticos na Venezuela. Ex-réu por homicídio e presidente do Supremo acabou
com as últimas ilusões
Maduro e seus juizinhos amestrados: militantes chavistas, parentes e até um homicida, agora presidente do Supremo (Palacio Miraflores/Reuters) |
Como criar um regime que se eternize no poder, sem
tirar a maquiagem da ilusão democrática? Hugo Chávez criou o sistema a
prova de alternância no poder herdado por Nicolás Maduro, agora obrigado
a tirar a máscara e dar um autogolpe.
O instrumento usado foi a vara constitucional do
Tribunal Supremo de Justiça , uma das mais importantes instituições
inteiramente aparelhadas pelo chavismo de forma a funcionar como um braço do
regime, não um órgão independente de equilíbrio entre os poderes.
Mesmo no ambiente surreal da Venezuela chavista,
onde o povo passa fome em cima das maiores reservas de petróleo do mundo, o
presidente do Supremo Maikel Moreno, há pouco mais de um mês no cargo, tem um
currículo espantoso.
Moreno era um agente de baixo escalão do serviço
secreto venezuelano, antes do advento chavista, quando foi acusado pelo
primeiro homicídio, em 1987. Tornou-se réu, por crime da mesma natureza, dois
anos depois. Em 1990 já estava fora da cadeia, beneficiado por um artifício
legal, e da policia secreta.
GANGUE DOS ANÕES
Formado em direito, teve uma ascensão rápida.
Tornou-se membro da “gangue dos anões” – o nome diz tudo, mas vai a explicação:
advogados e magistrados que traficavam sentenças – e expulso da profissão.
Nicolás Maduro, de quem já era próximo e na época
ocupava o Ministério das Relações Exteriores, compensou-o com nada menos que a
embaixada em Roma. Casou-se pela terceira vez, com Debora Menicucci, a miss
Venezuela 2014.
Por causa do segundo casamento, com uma
cubana-americana, é acusado de fraude migratória nos Estados Unidos, mas isso
conta pontos a favor no chavismo, claro. Outros membros do Supremo incluem
chavistas militantes e até parentes como o irmão do ex-marido da primeira-dama
– ou “primeira combatente” – Cília Flores.
Moreno substituiu Gladys Gutiérrez, outra chavista
juramentada. O Supremo venezuelano tem 32 integrantes, divididos em seis ramos,
ou salas. A mais importante é a Sala Constitucional, inteiramente dedicada a
impugnar a oposição, principalmente depois que conseguiu a maioria ,no
Congresso, e dar poderes abusivos ao executivo.
A justificativa legal para a prisão de Leopoldo
López, o líder oposicionista que pode se tornar o próximo presidente da
Venezuela ou amargar condições piores ainda como preso politico, foi dada pela
juíza Mónica Gioconda Misticchio Tortorella.
QUADRIGÊMEOS
Agora, o Supremo aparelhado deu o golpe final,
“assumindo” ilegalmente os poderes do Congresso.
Em momentos de grande aflição e perseguição, os
seres humanos podem sucumbir ao lado mais sombrio ou tomar atitudes de enorme
coragem. Isso aconteceu, por exemplo, com as mulheres dos políticos presos pelo
chavismo, como Lilian Tintori, a brava defensora do marido Leopoldo López.
E está acontecendo de novo com políticos como Julio
Borges, o presidente da Assembléia Nacional que rasgou a decisão criminosa do
Supremo, chamou-a de lixo e pediu ajuda ao mundo para que o golpe ficasse
claro. Borges é um calmo e equilibrado professor de direito formado em Oxford
que ficou conhecido por um programa chamado Justiça para Todos e pelos
quadrigêmeos. de proveta
Quando um advogado de classe média e pai de quatro
filhos desafia o poder massacrante de um regime concebido para ser eterno, tudo
é possível.
Por Vilma Gryzinski,
na Veja.com
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