Agência joga a responsabilidade pela paralisia do setor no colo de gestões que antecederam Bolsonaro
Em entrevista ao programa Conversa com Bial na última
quarta-feira, Luiz Carlos Barreto, provavelmente o mais longevo produtor de
cinema em atividade no país, tirou parcialmente da conta do governo federal a
crise que atinge a política audiovisual.
Segundo ele, apesar de Jair Bolsonaro ter um projeto de destruição da produção
cultural brasileira, a Ancine, Agência Nacional do Cinema, já andava trôpega
antes de ele assumir a presidência.
Barreto tem 93 anos e estreou no set fotografando 'Vidas Secas', de 1963. Como
produtor, esteve à frente de dezenas de obras, entre elas, 'Dona Flor e Seus
Dois Maridos', de 1976 -por três décadas recordista nacional de bilheteria- 'O
Quatrilho' e 'O Que É Isso Companheiro', indicados ao Oscar, e da cinebiografia
'Lula, o Filho do Brasil', de 2009.
Além de filmes, Barreto sempre fez política. Foi, inclusive, um dos artífices
da criação da Ancine, 20 anos atrás.
'Quando o governo Bolsonaro assumiu, a Ancine já estava semiparalisada. O
governo Bolsonaro encontrou um prato feito. Ele só entrou com a sobremesa',
disse, nominando a gestão de Sérgio Sá Leitão à frente do Ministério da Cultura no governo Michel Temer.
Leitão é hoje secretário de Cultura e
Economia Criativa do governo de São Paulo.
A fala de Barreto coincide com a divulgação dos relatórios de gestão do Fundo
Setorial do Audiovisual nos últimos três anos. O FSA concentra os recursos
destinados à realização de filmes e séries no país que, nos últimos dois anos,
vinham sendo liberados a conta-gotas.
A falta de diálogo com a Ancine fez com que, em 2020, vários produtores
impetrassem uma centena de mandados de segurança para tentar ter seus projetos
do FSA analisados, e o Ministério Público Federal abriu uma ação por
improbidade administrativa contra os diretores da agência para apurar a
paralisia do setor.
Os relatórios indicam, no entanto, que o fundo estava passando por um processo
de ajuste financeiro e orçamentário. Essa tese foi referendada na semana
passada pelo Comitê Gestor do FSA, composto por representantes do setor e do
governo.
Os documentos, que somam mais de 600 páginas, apontam que o delicado equilíbrio
do fundo se rompeu de vez em 2018. Nesse ano, foi lançado, por Leitão e
Christian Castro, então diretor-presidente da Ancine, o programa
#AudiovisualGeraFuturo, que previa linhas de apoio no valor de R$ 1,2 bilhão.
Num comunicado, a Ancine afirma que não havia 'lastro financeiro' para o
programa e que, além disso, o volume de projetos recebidos mostrou-se
incompatível com a capacidade operacional da agência. Segundo a nota, as 974
propostas selecionadas em 2018 representaram um aumento de 167% na média anual
histórica.
Cabe lembrar que esse conjunto de editais foi citado também no acórdão do Tribunal de Contas da União, que em
abril de 2019 alertou para o risco de colapso na política de fomento. À altura,
o órgão de controle problematizou o sistema de prestações de contas, tido como
falho e lento.
Na última sexta-feira, a Ancine anunciou que, após os ajustes, o FSA conta com
R$ 400 milhões para novos investimentos em 2021 e que 65% do passivo de
projetos em análise -alguns deles em trâmite desde 2016- está resolvido.
O prazo previsto para a solução do passivo, que soma recursos da ordem de R$
800 milhões, é de cinco meses. Desde janeiro, segundo a Ancine, foram firmados
212 contratos no valor de R$ 174,1 milhões.
Pelo que deixam adivinhar a fala de Barreto -que sempre soube para que lado o
vento sopra na política de cinema- e os relatórios do FSA, os investimentos
devem aos poucos ser retomados, ainda que em bases muito distintas daquelas
anteriores à crise da Ancine.
Não se pode, de toda forma, esquecer que há dois anos Bolsonaro verbalizou o
desejo de impor 'filtros' à produção, citando o filme 'Bruna Surfistinha' como
exemplo do que não deve receber recursos
públicos. Além disso, entre os três diretores da agência -todos
substitutos, por não terem sido sabatinados no Senado-, dois são alheios ao
setor e chegaram ali por indicação do governo.
Por Ana
Paula Sousa, na Folha Online
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