Embora tenhamos fé de que a "linha de chegada" está em algum lugar, o "onde" não é exatamente claro. Nossas vidas permanecem no limbo
No início, um amigo meu comparou a pandemia a um voo
de longa distância. Outro disse que era como correr uma maratona.
Seja qual for a analogia, a mensagem era a mesma:
fique na sua e aguente firme a era da covid-19 porque, em algum momento, vai
acabar.
Mas embora tenhamos fé de que a "linha de
chegada" está em algum lugar, o "onde" não é exatamente claro.
Nossas vidas permanecem no limbo.
E embora no início da pandemia, muitas pessoas tenham
encontrado um estímulo especial para aprender línguas, cozinhar ou praticar
exercícios em casa, aquela energia inicial se esvaiu há muito tempo para a
maioria.
Nada mudou em um ano, não temos controle sobre quando
vai mudar — e esbarramos em um obstáculo motivacional.
No entanto, ainda precisamos nos levantar do sofá para
fazer as coisas.
Mesmo quando parece que você já tentou de tudo para
encontrar estímulo, ainda há maneiras de reabastecer o pouco que resta em
nossos tanques motivacionais.
Vencendo
a sensação de inutilidade
Em termos simples, a motivação está relacionada ao
nosso desejo de iniciar uma ação para obter algo ou evitar algo negativo.
Quando você entra em ação para obter algo, você acaba
com uma recompensa, que pode ser "intrínseca" (como a alegria de
ajudar alguém que está precisando ou encontrar uma satisfação significativa no
trabalho) ou "extrínseca" (como dinheiro ou um prêmio material).
Alguns cientistas acreditam que a motivação intrínseca
diminui quando aspectos-chave — autonomia, competência e relacionamentos —
sofrem, algo também conhecido como 'teoria da autodeterminação'.
A pandemia está afetando todos esses três aspectos essenciais.
A covid-19 nos deixou com menos controle sobre nossas
vidas diárias; o desemprego ou a incapacidade de trabalhar efetivamente está
afetando nosso senso de competência; e o distanciamento social e o lockdown
geram tensões graves nos relacionamentos.
E, enquanto resistimos, procurar uma luz no fim do
túnel nem sempre é tão útil quanto pode parecer.
"A esperança e o desejo de mudanças positivas nos
ajudam a continuar olhando para o futuro, mas também podemos nos enganar e
pensar que as coisas podem mudar muito rapidamente", diz Lynn Bufka,
diretora da Associação Americana de Psicologia.
Em outras palavras, podemos tentar buscar positividade
em relação ao futuro, mas podemos nos decepcionar quando as expectativas não se
concretizarem.
Portanto, Bufka diz que precisamos "mudar a
situação em que estamos" e procurar contextos em que tenhamos controle —
por menor que seja.
"Usar máscara é algo que vai nos acompanhar por
um tempo — meu marido e eu estávamos brincando: 'Quer saber, não é tão ruim
quando está frio'. Não só estou reduzindo meu risco, como meu rosto está um
pouco mais aquecido . Portanto, certifique-se de que sua máscara seja
confortável. Isso pode parecer bobo e ridículo. [Mas] é algo sobre o que você
tem controle."
Não é de hoje que o poder das 'pequenas vitórias' está
associado ao aumento da motivação.
Ela explica que elas nos lembram que podemos agir por
nossa própria vontade, que temos domínio sobre alguns desafios e que podemos
repelir o monólogo interior que tende ao pensamento negativo derrotado.
Mudanças para animar sua rotina — por menores que
sejam — também podem ajudar.
"Você poderia cozinhar algo diferente para o
jantar, caminhar por um outro bairro ou começar a aprender algo novo, como uma
língua estrangeira", diz Elizabeth Grace Saunders, escritora e coach de
gerenciamento de tempo.
"Mesmo pequenas mudanças podem dar a sensação de
que você está fazendo coisas de que gosta e que suas necessidades são
importantes."
Concentre-se
nos obstáculos
Gabriele Oettingen, professora de psicologia da
Universidade de Nova York, nos EUA, diz que há maneiras de combater o tédio
escolhendo algo que você deseja alcançar e identificando o obstáculo que está
no seu caminho.
Obviamente, a pandemia é um obstáculo significativo
para muitos de nossos objetivos e aspirações, mas Oettingen afirma que como
respondemos a ela depende de nós.
"Você não pode fazer nada em relação ao quadro
geral, mas pode preencher seu tempo com propósito", diz ela.
Oettingen é a criadora do método 'WOOP': uma técnica
motivacional que na sigla em inglês significa Desejo, Resultado, Obstáculo,
Plano.
Você pensa em um "desejo" que quer realizar,
imagina o resultado, identifica o obstáculo e, em seguida, elabora um plano.
Por exemplo, meu nível de condicionamento físico
despencou durante a pandemia, então meu desejo é começar a correr 30 minutos
todos os dias.
Isso porque eu sei que o resultado vai ser eu me
sentir melhor, mais saudável e mais relaxado depois. O obstáculo que está no
meu caminho é aquela sensação de que como nada importa — por que me preocupar
em fazer algo tão normal quanto exercícios?
Nada está normal agora: passo 10 horas por dia sozinho
na frente de uma tela no meu apartamento, porque não devemos sair de casa.
Posso muito bem ficar aqui e assistir a mais Netflix.
Para formular o plano final, Oettingen me aconselhou a
pensar sobre o que me faz sentir melhor quando esse obstáculo aparece, que é
ligar para amigos e familiares — algo que me ancora, me tira desse pensamento e
me lembra que a vida um dia será normal novamente.
No fim das contas, Oettingen me ajudou a transformar
esse desejo de me conectar com outras pessoas em uma motivação útil: ao colocar
meus tênis e me juntar a todas as pessoas que vejo correndo pela janela, estou
participando de uma atividade que parece comunitária, compartilhada e que
envolve outras pessoas.
"Precisamos procurar" maneiras de remover os
obstáculos à nossa motivação, diz ela, uma vez que as coisas que queremos
fazer, em última análise, se originam de coisas importantes de que precisamos.
(Só para deixar registrado, eu saí para fazer exercício depois.)
É por isso que Oettingen enfatiza que focar no
obstáculo é o passo mais importante para reabastecer as reservas de motivação —
e não pensar sobre o resultado benéfico. Em vez disso, seja o mais específico
possível sobre o que está em seu caminho — reflita realmente sobre suas emoções
e, em seguida, resuma o obstáculo em três a quatro palavras.
Isso é o que realmente vai te dar um plano de ação
para fazer o que você deseja.
Conecte-se
com a comunidade
Os especialistas também sugerem uma maneira
surpreendente de encontrar motivação nesta reta final: concentre-se menos em si
mesmo, e mais nos outros.
"O senso de 'destino comum', como no caso de
crises ou desafios compartilhados, pode aproximar as pessoas. Este reforço no
apoio social pode ajudar as pessoas a lidar com a situação", diz Steven
Taylor, professor de psiquiatria da Universidade de British Columbia, no
Canadá, e autor do livro The Psychology of Pandemics ("A Psicologia das
Pandemias", em tradução literal).
Bufka sugere que nos perguntemos se há algo que
poderíamos estar fazendo por alguém em nossa rede que possa estar passando por
dificuldades, como levar uma comida para um amigo.
Isso pode parecer difícil quando você mal tem forças
para levantar do sofá. Mas estudos mostram que se fizermos algo pelos outros —
em vez de para nós mesmos — temos mais chance de nos envolver, levar adiante a
tarefa e nos comprometer, explica ela.
Na verdade, pesquisas sugerem que as pessoas são mais
propensas a se motivar a fazer coisas que realmente não querem fazer na
pandemia se forem consideradas para o bem público.
Estudos pré-covid-19 também indicam que as pessoas
trabalham mais quando são intrinsecamente motivadas por uma causa social ou
acreditam que estão agindo em prol do interesse público.
Isso pode ser usado a seu favor: embora você possa
querer malhar em uma academia, como faria antes da pandemia, se pensar sobre os
riscos para você e para as outras pessoas, pode se sentir mais motivado a fazer
ioga em casa.
É difícil dar a partida na nossa motivação. Pode ser
necessário alguma auto-análise para descobrir o que especificamente a respeito
da pandemia está nos deixando apáticos.
Mas as recompensas de reabastecer algumas dessas
reservas de motivação pré-pandemia valem a pena: somos mais felizes e mais
produtivos.
"Se formos capazes de mudar e ser mais flexíveis
em relação a como pensamos e avaliamos algo, e deixarmos de enxergar tudo como
negativo — 'Por que isso está acontecendo comigo?' —, mas como oportunidade,
crescimento e desafios a enfrentar, [isso] vai nos servir não apenas agora, mas
também à medida que avançamos ", diz Bufka.
Por
Bryan Lufkin, BBC Worklife
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