Cruzamento de dados de dois sistemas tem sido usado como provas
Ao longo das
investigações de duas das maiores operações contra a exploração ilegal de
madeira - a Arquimedes, deflagrada a partir de 2017, e a Handroanthus GLO, no
fim do ano passado -, a Polícia
Federal lançou mão de duas tecnologias que têm ganhado espaço e a
preferência dos investigadores: um sistema novo de monitoramento por satélite,
chamado Planet, e uma ferramenta que identifica, por assim dizer, o DNA da
árvore.
Conjugados, os dois métodos têm sido usados para coibir o desmatamento. Com
esse último, é possível aferir de qual região da Amazônia as toras apreendidas
em uma ação foram extraídas. Dessa forma, a PF compara se elas foram retiradas
da mesma área que a documentação descreve ou se houve fornecimento de dados
falsos - quando, por exemplo, o madeireiro aponta que extraiu o material de um
local permitido, mas, na verdade, o retirou de áreas protegidas. Esse DNA das
árvores, chamado pelos especialistas de assinatura isotópica, é identificado porque
cada vegetação guarda as características específicas, moldadas ao longo do
tempo pelo solo, altitude, temperatura e clima a que foi exposta - e isso
sempre varia de região para região.
Para chegar a essa identificação, é usado um espectrômetro de massas, aparelho
que emite um laudo científico que aponta características únicas da origem
geográfica da madeira. Esse mesmo método já era usado, por exemplo, para saber
o local de procedência de cocaína ou ouro ilegal e desbaratar quadrilhas. Em
janeiro deste ano, autoridades brasileiras foram aos Estados Unidos articular a
devolução de madeira da Amazônia exportada ilegalmente. Na ocasião, foram
coletadas, nos portos americanos,
amostras de ipê, jatobá e outros exportados do Brasil para serem comparadas com
o banco de amostras da área declarada como origem da exploração florestal,
utilizando a técnica de isótopos estáveis e outros recursos tecnológicos
desenvolvidos no Brasil.
No caso das árvores da Amazônia, um banco de dados vem sendo abastecido. 'Vamos
precisar de um tempo para formá-lo. Isso vai nos dar a rastreabilidade da
madeira', explica o delegado da Polícia
Federal Alexandre Saraiva, que foi exonerado do comando da PF no
Amazonas depois que apresentou uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal
contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Saraiva comanda a
investigação da maior apreensão de madeira ilegal do país, a Handroanthus GLO,
e Salles, por sua vez, defendeu a liberação da carga, tomando o lado da
indústria madeireira. VEJA mostra na edição desta semana as irregularidades apontadas na
apuração e como a ação chegou aos bastidores do poder em Brasília.
Para completar o rastreamento da madeira, a PF passou a utilizar recentemente o
programa americano Planet Labs, que dispõe de imagens em alta resolução de
aproximadamente 130 satélites que fornecem imagens das últimas 24 horas e a uma
curta distância. Na notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles, o então
superintendente da PF no Amazonas salientou a importância do uso dessa
ferramenta e disse que ela fazia parte de um novo método de investigação, por
meio de abordagem in loco. O auxílio da plataforma Planet propicia o confronto
do Plano de Manejo Florestal, que indica onde as árvores foram retiradas, com
imagens de satélites praticamente em tempo real (que verifica se realmente
foram extraídas do local indicado).
O projeto-piloto foi testado na Superintendência do Amazonas e na Diretoria
Técnico-Científica da Polícia
Federal ao menos nos últimos dois anos. Em abril de 2019, com a
deflagração de mais uma etapa da Operação Arquimedes - na qual 26 suspeitos
foram presos, entre eles um ex-superintendente do Ibama no Amazonas -, o
presidente Jair Bolsonaro veio a público defender a tecnologia, sem explicitar
o nome do sistema. 'A operação marca o início da utilização de uma ferramenta
tecnológica de imagens de satélite que possibilita identificar 'novos focos' de
desmatamentos quase que diariamente, o que resultou numa melhor fiscalização e no aumento das
ações de campo', escreveu em suas redes sociais. Em setembro de 2020, o governo
federal anunciou que a ferramenta seria usada em todo o território nacional.
Com essa tecnologia, os investigadores são capazes de identificar a exata
localização indicada no respectivo laudo do DNA da árvore, comparar com o local
descrito nos documentos necessários para a exportação e o transporte da carga e
identificar eventuais divergências entre ambos. Para usar o programa, a União
vai desembolsar anualmente 50 milhões de reais em recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, valor que dá
direito ainda a que o sistema esteja disponível também para os estados.
Polêmica
O contrato gerou críticas de alguns especialistas e órgãos como o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que alegaram que o governo já contava
com imagens e um sistema de alertas de desmatamento até melhor. A polêmica
chegou ao Tribunal de Contas da
União (TCU) e, no
dia 18 de setembro, a ministra Ana
Arraes determinou a suspensão do contrato recém-assinado, feito sem licitação, sob o argumento de que se
tratava de um serviço único. Três dias depois, ela voltou atrás, convencida por
argumentos da PF e do Ministério da Justiça.
Para os investigadores, o serviço da empresa americana é mais preciso,
atualizado e permite, por exemplo, até localizar balsas que estejam descendo o
rio carregadas de madeiras. O governo federal argumenta que, em comparação com
tecnologias em uso atualmente, o programa permite receber cinco vezes mais
imagens, com resolução sete vezes melhor e, além disso, defende que o sistema
auxilia também na identificação de fraudes em obras de engenharia, crimes de
tráfico de entorpecentes e crimes ambientais, como fraudes em manejo florestal,
corte seletivo de madeira e a detecção, ainda no início, de queimadas, desmatamento,
mineração irregular, dentre outros.
Nos projetos-pilotos, o programa ajudou na identificação de ilícitos praticados
do dia para a noite, como a abertura-relâmpago de pistas de pouso clandestinas
ou de pequenas vias de acesso para desflorestamento irregular.
Por Juliana Castro, na Veja Online
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