Países como Moçambique vêm sendo afetados não só por violência armada mas também por fortes ciclones |
Cerca de 75% dos deslocamentos internos ocorridos em 2020 foram resultado de fenômenos climáticos extremos, diz estudo. Total de pessoas vivendo refugiadas em seu próprio país chega a recorde de 55 milhões.
Tempestades, inundações, incêndios florestais e secas tiraram pessoas de
suas casas mais de 30 milhões de vezes no ano passado, com o aumento das
temperaturas causando um caos adicional, de acordo com um relatório publicado
nesta quinta-feira (20/05) pelo Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno
(IDMC, na sigla em inglês).
Junto com guerras e violência, o clima extremo resultou em 40,5 milhões de
novos deslocamentos internos em 2020, de acordo com o IDMC. É o maior número de
novos deslocamentos registrados em dez anos. O número de novos deslocamentos
corresponde à estimativa de todos os movimentos do tipo ocorridos, incluindo
pessoas que se deslocaram mais de uma vez.
A organização de pesquisa com sede em Genebra estima que um total recorde
de 55 milhões de pessoas estavam vivendo como refugiadas em seu próprio país no
final do ano passado.
Dobro da cifra
mundial de refugiados
O clima extremo deve provocar o deslocamento de cada vez mais pessoas, não
só por enchentes e tempestades, mas também em decorrência de crises climáticas
de desenvolvimento mais lento, como quebras de safras e secas. Nos países
ricos, os políticos temem que mais migração de regiões pobres possa
sobrecarregar os serviços públicos à medida que o planeta se aquece.
"A ideia de que as mudanças climáticas irão desencadear uma migração
em massa para os países ricos é uma distração do fato de que a maior parte do
deslocamento é interno", afirma Bina Desai, chefe de programas do IDMC.
"É uma obrigação moral investir realmente no apoio às pessoas onde elas
estão, ao invés de apenas pensar no risco de elas chegarem às fronteiras",
alerta.
Deslocamentos por
causas climáticas
O relatório anual, em seu sexto ano, revela que mais de 80% das pessoas
forçadas a deixar suas casas em 2020 estavam na Ásia e na África.
Na Ásia, a maioria das pessoas forçadas a fugir o fez por causa do clima
extremo. Em países como China, Índia, Bangladesh, Vietnã, Filipinas e Indonésia
– onde centenas de milhões de pessoas vivem em litorais e deltas – uma
combinação de crescimento populacional e urbanização deixou mais pessoas
expostas a inundações que se tornaram mais fortes à medida que o nível do mar
vem subindo.
Nesta segunda-feira, o ciclone mais violento a atingir a Índia em duas
décadas afetou a costa oeste do país com rajadas de vento de até 185
quilômetros por hora, forçando 200 mil pessoas a deixarem suas casas.
Mas enquanto os sistemas de alerta precoce podem salvar vidas ao tirar as
pessoas do caminho do perigo, muitos dos deslocados não têm um lar para onde
voltar. Quando o ciclone Amphan atingiu Bangladesh no ano passado, forçou 2,5
milhões de pessoas a fugirem e destruiu mais de 55 mil casas, de acordo com o
relatório, sugerindo que 10% das pessoas deslocadas ficaram desabrigadas.
Na África, a maior parte dos deslocamentos em 2020 se deve a conflitos. A
violência persistente expulsou as pessoas de suas casas em países como Burkina
Faso e Moçambique, enquanto novas guerras surgiram em outros países, como a
Etiópia.
O IDMC estimou que meio milhão de pessoas fugiu dos combates na região de
Tigray, na Etiópia, no final do ano passado. Desde então, o Unicef calcula o
número como acima de um milhão.
Alguns conflitos foram associados a temporadas de chuvas excepcionalmente
longas e intensas, que trouxeram enchentes e perdas de safra para países já
afetados pela violência. As fortes chuvas forçaram pessoas já deslocadas a
fugirem novamente em países como Somália, Sudão, Sudão do Sul e Níger, de
acordo com o relatório. Esses desastres ambientais provocaram 4,3 milhões de
deslocados na África Subsaariana em 2020. Pelo menos metade deles ainda estavam
deslocados no final do ano.
"Migrantes de áreas rurais para cidades são frequentemente forçados a
se estabelecer em áreas que não são seguras para habitação e propensas a
inundações ou a outros perigos", diz Lisa Lim Ah Ken, especialista
regional em clima da Organização Internacional para Migração (IOM) da ONU no
Quênia. "Muito pode ser feito, começando pela prevenção", avalia.
Migração
Os pesquisadores dizem que as conexões entre clima e migração são mal
compreendidas e, às vezes, exageradas. Enquanto o IDMC compila dados sobre o
deslocamento interno – a maioria dos quais é proveniente de desastres
repentinos, como inundações e tempestades – há poucos dados sobre quantas
pessoas deixam suas casas por causa de crises ambientais de desenvolvimento
mais lento, como aumento da temperatura e do nível do mar.
Ainda assim, uma meta-análise publicada em março pelo Centro de Análise de
Política Econômica da Universidade de Potsdam revelou que desastres que
acontecem por um longo tempo, como ondas de calor e secas, têm mais
probabilidade de aumentar a migração do que desastres repentinos, como
enchentes e furacões. Os pesquisadores sugerem que isso ocorre porque as
pessoas precisam de dinheiro para migrar, o que geralmente falta após choques
climáticos repentinos, embora eles causem deslocamento imediato em distâncias
mais curtas.
Aqueles que ficam onde estão – geralmente sem dinheiro para reconstruir
suas casas ou seus meios de subsistência – podem ficar presos em um ciclo de
clima extremo que os impede de partir, embora outros possam escolher ficar por
outros motivos.
"Se você deseja migrar, então precisa de alguns recursos para
fazê-lo", observa Barbora Sedova, economista especialista em conflito e
migração no Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático e coautora do
estudo. "Fala-se pouco sobre as populações que estão presas em seus locais
de origem e não têm recursos para migrar."
Clima cada vez mais
extremo
As mudanças climáticas já tornaram as condições climáticas extremas ainda
mais extremas – inclusive nos países ricos. Um estudo publicado em março na
revista Natural Hazards and Earth System Sciences revelou que o risco de
incêndios intensos durante a temporada de incêndios florestais australianos de
2019 e 2020 foi 30% maior devido aos impactos humanos sobre o clima. Os
incêndios mataram 34 pessoas e destruíram milhares de casas.
Na terça-feira, um estudo publicado na revista Nature Communications
indicou que 13% dos 62,5 bilhões de dólares em danos causados em 2012 pelo
furacão Sandy na cidade de Nova York foram resultado do aumento do nível do
mar. Se os humanos não tivessem aquecido o planeta, e assumindo que todos os
outros fatores tivessem permanecido constantes, as inundações teriam afetado 70
mil pessoas a menos, segundo os modelos da pesquisa.
Os pesquisadores da migração climática pedem que os governos cortem
rapidamente as emissões de gases de efeito estufa, se adaptem às mudanças
climáticas e continuem a apoiar as comunidades deslocadas assim que o perigo
imediato passar. "Se criarmos oportunidades para essas pessoas nas cidades
– em termos de emprego, moradia, vida e dignidade –, então a migração não
precisa necessariamente se tornar uma questão de segurança internacional",
diz Sedova. "Se a questão for bem administrada, pode até ter consequências
positivas para o país."
Por Ajit Niranjan,
na Deutsche Welle
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