Um debate em curso na Europa levou preocupação a brasileiros e moradores de outros países fora da bolha do desenvolvimento que sonham em viajar para o continente após o arrefecimento da pandemia e a expansão do programa de vacinação.
A UE
(União Europeia) defende que apenas inoculadas com imunizantes aprovados para
uso no bloco possam ter acesso ao passe livre do Certificado Digital Verde, que
a entidade diplomaticamente evita chamar de passaporte da vacina.
Isso
hoje excluiria a Coronavac, fármaco de origem chinesa que é formulado e será
fabricado pelo Instituto Butantan, em São Paulo.
Até
aqui, a vacina está em cerca de 80% das carteirinhas do Programa Nacional de
Imunização, sendo os registros restantes da droga da AstraZeneca/Universidade
de Oxford.
É um
debate ainda incipiente, e começou de olho nos turistas americanos que possam
visitar a Europa durante o verão (inverno no Hemisfério Sul). Há dúvidas sobre
o uso de outros parâmetros além da vacinação para o passe digital, mas as
tratativas com Washington estão em curso.
É uma
discussão que domina conversas em associações como a Iata, que reúne empresas
aéreas e já criou um aplicativo para reunir dados de saúde de viajantes com
segurança. Afinal de contas, o tráfego aéreo caiu 65,9% no ano passado em todo
o mundo.
No
sábado, a presidente da Comissão Europeia, órgão executivo da UE, Ursula von
der Leyen, afirmou ao jornal The New York Times que "os americanos, até
onde sei, usam vacinas aprovadas pela EMA (sigla inglesa para Agência de
Medicamentos Europeia)".
"Porque
uma coisa é clara. Todos os 27 Estados-membros vão aceitar, incondicionalmente,
aqueles que são vacinados com imunizantes aprovados pela EMA", disse Von
der Leyen.
Hoje,
isso significaria quem recebeu doses da vacina da Pfizer (Alemanha/EUA),
Moderna (EUA), Janssen (EUA) ou AstraZeneca (Reino Unido/Suécia). Sob análise
na EMA estão a russa Sputnik V, a americana Novavax e a alemã CureVac.
Com o
sucesso do programa de vacinação americano, que já atingiu mais de 40% da
população adulta em pelo menos uma dose e levou a flexibilizações de uso de
máscaras e outras medidas, a UE está de olho numa retomada de seu deprimido
setor de turismo.
Instados
a explicar melhor as frases da chefe, porta-vozes da Comissão Europeia buscaram
dizer que tudo está em fase de estudos ainda.
A
rigor, o proposto Certificado Digital Verde dos europeus traz três parâmetros:
quem recebeu todo o protocolo de vacinação (duas doses para a maioria das
drogas), quem não está contaminado segundo um teste RT-PCR feito pelos governos
na chegada e quem já tem atestado de recuperação de Covid-19 nos últimos 180
dias.
Assim,
em tese seria possível supor que um brasileiro com o RT-PRC negativo vá poder
entrar na Europa sem ser vacinado uma vez que as restrições sejam levantadas.
Mas a ênfase de Von der Leyen deixou a dúvida no ar: e se as nações ricas de
fato insistirem na vacinação?
Aí os
viajantes brasileiros terão problema, dado que até aqui, cerca de 41 milhões
dos 58 milhões de doses distribuídas para o Ministério da Saúde são da
Coronavac. Nenhum imunizante chinês está sob análise da EMA ou da FDA
(Administração de Alimentos e Drogas, a Anvisa americana).
"A
comissão pode mudar sua recomendação a partir de consultas de
Estados-membros", disse o porta-voz de Leyen, Eric Mamer, em entrevista
coletiva na segunda (26).
Questionado
pela reportagem sobre como a situação ficaria em caso de a OMS (Organização
Mundial da Saúde) aprovar a Coronavac para uso em seu consórcio Covax Facility,
a comissão disse que esta é uma questão para os países do bloco decidirem.
As
dúvidas não se restringem, por óbvio, aos brasileiros. Além de chineses, chilenos,
sul-asiáticos e outros que usam vacinas chinesas, há a questão da Sputnik V,
que está sendo aplicada a húngaros --membros da UE.
Mamer
se limitou a dizer que "a situação hoje é mais favorável aos viajantes
norte-americanos", não só pelo uso de imunizantes aprovados na Europa, mas
também pela situação epidemiológica.
Para se
qualificar à lista de países que podem ter viagens não-essenciais à UE, hoje
restrita a Austrália Nova Zelândia, Tailândia, Coreia do Sul, Singapura e
Ruanda, o país precisa não ter tido mais que 25 novos casos de Covid-19 por 100
mil habitantes nas duas semanas passadas.
Na
quarta (27), o Brasil teve quase 7.000 casos por 100 mil habitantes.
A
discussão se espraia pelo mundo, assim como questionamentos éticos acerca da
criação de cidadãos divididos por categorias sanitárias. Não é algo fácil.
Em Hong
Kong, nesta quinta (29) serão abertos bares e restaurantes pela primeira vez
desde novembro. Mas o governo local estipulou subcategorias de restrições que
dependem da natureza e do tamanho do estabelecimento, o que mesmo os usualmente
disciplinados honcongueses não acham factível.
Um bar
pode ter duas pessoas por mesa com metade da capacidade total e funcionar até
2h. Restaurantes, por sua vez, têm licenças de quatro a seis ocupantes por mesa
e horários que vão das 22h à meia-noite.
Tudo
isso a depender do grau de imunização de funcionários e clientes, aferido por
um aplicativo que diz se a pessoa tomou uma ou duas doses --no território, há
Coronavac e vacina da Pfizer disponíveis.
Ainda
assim, os passaportes de imunidade parecem uma inevitabilidade comercial. O
campeão mundial de imunização, Israel, já utiliza o esquema de forma doméstica.
Nos
EUA, há uma miríade de passes regionais com informações distintas (vacinação,
testagem), e a OMS trabalha com o tecnológico governo da Estônia numa forma de
integrar dados aos passaportes com chips (caso do Brasil).
Igor Gielow, Folhapress
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