Na obra Como evitar um desastre climático, o bilionário norte-americano Bill Gates propõe um plano, a um só tempo audacioso e pragmático, para combater o aquecimento global e reduzir a zero as emissões de gases de efeito estufa
Os cientistas advertiram que uma pandemia de grandes
proporções era inevitável. Mas nenhum país do mundo tomou as providências
necessárias. Para o empresário e filantropo norte-americano Bill Gates, estamos
no mesmo ponto hoje, com as mudanças climáticas, em que estávamos anos atrás
com as pandemias. Não deveríamos cometer o mesmo erro, pois será fatal para o
destino do planeta. Gates se tornou um dos mais importantes ativistas da luta
contra o aquecimento global e acaba de lançar o livro Como evitar um desastre
climático — As soluções que temos e as inovações necessárias (Ed. Cia das
Letras).
Tudo começou no início dos anos 2000, quando Gates e a
mulher, Melinda, ensaiavam os primeiros movimentos para criar a fundação
filantrópica com objetivo de ajudar as populações pobres de vários pontos do
mundo. Viajaram para lugares de baixa renda na África subsaariana e no Sul da
Ásia na expectativa de aprender mais sobre mortalidade infantil, HIV e outros
problemas.
No entanto, ao sobrevoar as grandes cidades, Gates
olhava pela janela e indagava: por que é tão escuro ali? Onde estão as luzes
que veria se estivesse em Nova York, Paris ou Pequim? Ficou sabendo que cerca
de 1 bilhão de pessoas não contava com acesso confiável a eletricidade e que
metade delas vivia na África subsaariana. Na Índia, encontrou o mesmo panorama.
“A única solução que eu podia imaginar era tornar a energia limpa tão barata
que o país todo a preferisse aos combustíveis fósseis.”
Mas o que é o efeito estufa? Bill Gates utiliza a
experiência cotidiana do aquecimento dos carros sob a exposição do sol para
ilustrar o que ocorre em uma escala muito mais ampliada na atmosfera do
planeta. O para-brisa permite a entrada da luz solar, depois retém parte dessa
energia. “Por isso, o interior do veículo fica muito mais quente do que a
temperatura externa.”
Em uma escala ampliada, os gases de efeito estufa
retêm o calor e elevam a temperatura média da superfície terrestre. Quanto
maior a quantidade de gases, mais a temperatura sobe. E o pior, observa Gates,
é que, uma vez na atmosfera, os gases de efeito estufa permanecem ali por muito
tempo. Os cientistas estimam que cerca de um quinto de dióxido de carbono
emitido hoje continuará no ar daqui a 10 mil anos.
O dióxido de carbono não é o único gás que provoca
efeito estufa, mas é o mais comum. Além dele, existem outros, como é o caso do
óxido nitroso e do metano. No entanto, o dióxido de carbono tem uma
característica que agrava as consequências de sua ação: é o que permanece mais
tempo na atmosfera.
Quase todas as atividades humanas provocam efeito
estufa: ligar o ar-condicionado, deslocar-se de carro, viajar de avião,
fabricar objetos de plástico, transportar alimentos de caminhão, ligar a
geladeira, usar cimento para construir casas, usar aquecedor, desmatar para
cultivar gado. Será, portanto, necessário mudar os hábitos de consumo, as
fontes de energia, as políticas públicas e os modelos de negócios em um período
relativamente curto para conter o aquecimento global.
Gates faz as contas: 27% de 51 bilhões de toneladas
atuais são provocados pela maneira como ligamos as coisas na tomada; 31%
decorre de como fabricamos as coisas; 19% é consequência de como cultivamos as
coisas; 16% vem de como transportamos as coisas; e 7% vem de como esfriamos e
aquecemos as coisas.
Para ele, o desafio é saltar dos 51 bilhões de
toneladas de gases de efeito estufa que o mundo lança na atmosfera atualmente
para zero. O prazo para alcançar a meta ambiciosa é 2050. E, como os gases de
efeito estufa permanecem na atmosfera por tanto tempo, o planeta continuará
quente por muitos anos, mesmo depois de chegarmos a zero.
Se não conseguirmos reduzir o aquecimento global, as
consequências serão as que vemos nas ficções científicas distópicas e estamos
vendo espalhadas por vários países do mundo: furacões; redução das safras de
milho e de trigo na Europa; diminuição de 20% das áreas cultiváveis na África;
secas extremas na China, que fornece cerca de um quinto de cereais para o
planeta; crise alimentar, com encarecimento dos itens essenciais; aumento de
queimadas; derretimento da calota polar e enchentes sem aviso.
Já elevamos a temperatura em pelo menos 1ºC desde o
período pré-industrial e, se não reduzirmos as emissões, provavelmente teremos
um aquecimento de 1,5ºC a 3ºC até meados deste século, e entre 4ºC e 8ºC até o
fim dele, adverte Bill Gates.
Os efeitos do aquecimento global foram tratados,
exaustivamente, no livro Terra inabitável, de David Wallace-Wells. Mas o mérito
do livro de Bill Gates está em avançar na direção de não apenas constatar e
prever, mas, principalmente, de formular um plano para evitar o desastre
climático. Não é uma utopia de um ambientalista; é um plano realista de um dos
homens mais ricos do mundo, com uma cabeça de engenheiro, empresário e
filantropo. “A chave para lidarmos com as mudanças climáticas é tornar a
energia limpa tão barata e confiável quanto a obtida por combustíveis fósseis”,
comenta Gates no livro.
Será difícil? Sem dúvida, responde Gates. Será a
mudança mais ambiciosa da história da humanidade.
Mas, ao mesmo tempo, a crise representa uma
oportunidade de negócios: “É também porque se trata de uma oportunidade
econômica imensa: países que construírem empresas e indústrias de carbono zero
eficientes liderarão a economia global das décadas seguintes”.
Desmatamento
preocupante
“Mais hambúrgeres em um lugar correspondem a menos
árvores em outro”, escreve Bill Gates em Como evitar o desastre climático. Ele
estabelece uma relação direta entre a criação de animais para alimentação, a
agricultura e o desmatamento. As derrubadas não ocorrem pelas mesmas razões em
todos os lugares. E, neste sentido, o país ocupa um lugar de destaque.
No Brasil, a causa mais determinante para a destruição
da floresta amazônica nas últimas décadas é a criação de pastagens para o gado.
As florestas brasileiras se reduziram em 10% desde 1990. “E, como o alimento é
uma mercadoria global, o que é consumido em um país pode levar a mudanças no
uso da terra em outro”, explica Bill Gates. “Conforme o mundo ingere mais
carne, o desmatamento na América Latina se acelera.”
Como interromper o processo de aceleração das mudanças
climáticas? A estratégia mais eficiente é parar de cortar tantas árvores. O
desafio será produzir 70% mais alimento para prover as necessidades do planeta
e, simultaneamente, reduzir as emissões e lutar para que sejam eliminadas
inteiramente: “Isso exigirá inúmeras mudanças, incluindo novos métodos de
fertilizar plantações e criar animais, menos desperdício de alimentos e uma mudança
de hábito entre as populações dos países ricos — diminuir o consumo de carne,
por exemplo”.
No
Correio Braziliense
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