Thomas Vinterberg conta ao G1 que longa o manteve 'longe da insanidade' após morte da filha. Ele concorre a Melhor Direção e Filme Internacional com 'Druk', sobre crise de meia-idade.
Nas mãos de Thomas Vinterberg, uma teoria exdrúxula
sobre viver levemente bêbado virou o tema do favorito ao Oscar de Melhor Filme
Internacional. "Druk - Mais uma rodada" também fez o cineasta
dinarmaquês de 51 anos ser pela primeira vez indicado ao prêmio de Melhor
Direção.
Ao G1, o diretor conta que a ideia era seguir
"sem julgamentos" o experimento de quatro professores, um deles
vivido por Mads Mikkelsen, com quem já havia trabalhado em "A Caça"
(2012). Em "Druk", o quarteto passa a manter um acréscimo de 0,05% na
quantidade de álcool no sangue em busca de uma vida mais feliz e produtiva.
Vinterberg não queria fazer apologia e nem oferecer um
porre de moralismo. "Essa teoria, de um jeito polêmico, mostra o que a
natureza humana não nos proporciona de modo natural. É algo pelo qual você tem
que lutar."
Na entrevista abaixo, o diretor diz que mantém contato
com Lars Von Trier ("Dogville"), com quem concebeu o movimento Dogma.
Nos anos 90, os dois propunham um cinema mais realista e sem tantos recursos
(luz natural, câmera na mão, música ambiente). "Acho que o que ele faz
hoje é incrivelmente diferente do que eu faço, talvez seja o oposto do que eu
faço", compara.
Vinterberg também falou sobre como "Druk" o
manteve "longe da insanidade", após a morte da filha em um acidente
de carro, logo antes das filmagens. O longa marcaria a estreia de Ida
Vinterberg, de 19 anos, como atriz. "Eu encontrei tanto amor no set. Eles
me carregaram nesse momento de caos, no qual eu ainda estou."
G1 - Algumas pessoas podem entender o filme como uma
celebração do álcool, mas outras veem que ‘Druk’ é sobre a vida. Como foi ver
pessoas tão diferentes se conectando com o filme de maneiras tão diferentes?
Thomas Vinterberg - Tem um grau de satisfação pra mim.
Se tem 500 pessoas no cinema, eu acho que eles vão ver e espero que eles vejam
500 filmes diferentes. Como você viu, o filme tem um final aberto. Ele pode
voar ou pode cair. É o que a gente queria com isso: é uma pesquisa, não é um
julgamento. É uma exploração e é por isso que as pessoas podem interpretar de
modos diferentes.
G1 - ‘Druk’ é sobre levar a vida de uma forma
positiva. Como você conseguiu fazer um filme desse tipo, enquanto estava tendo
problemas em sua vida pessoal?
Thomas Vinterberg - [longa pausa] Foi muito difícil e
ainda é. Talvez esse filme tenha me deixado longe da insanidade. Ele me deu
estrutura. Eu encontrei tanto amor no set. Eles me carregaram nesse momento de
caos, no qual eu ainda estou. Talvez eu tivesse um propósito em fazer esse
filme. Foram muitas emoções diferentes. Às vezes, era mais difícil os momentos
em que não estava filmando, como ir ao banheiro. Foram tempos tão difíceis. Eu
não sei como descrever. Minha vida foi um pouco uma extensão do final do filme:
um monte de celebrações e então muito luto.
G1 - Você disse que se tivesse filmado ‘Druk’ há vinte
anos, teria feito mais como uma provocação. O que há de bom e de ruim em ser
menos provocador hoje?
Thomas Vinterberg - A provocação é algo que você faz
para ter uma reação. É algo que você faz sem uma responsabilidade. Tem um
elemento de vaidade nisso, muitas vezes. Então, você se coloca no centro mais
do que o mundo que você está olhando. Quando você está tentando criar um todo,
é bom você se colocar em uma posição neutra e mirar a câmera para longe de você
mesmo e em direção ao mundo. Você tem uma exploração mais honesta do que a
provocação.
G1 - Fiquei impressionado com a aparência dos atores
realmente bêbados, embora não tenham bebido no set. Mas é muito difícil brincar
de bêbado, eu sei que você teve alguns ensaios com bebidas. Como foi essa
experiência?
Thomas Vinterberg - Foi um trabalho duro, mas muito
divertido também. Nos ensaios, eles beberam um pouco de cerveja. Eles tentaram
ser professores uns dos outros em diferentes níveis de embriaguez. Eles
aprenderam muito com isso e aprenderam muito quando ficaram se observando,
porque nós gravamos tudo. Depois, a gente ficou assistindo vídeos no YouTube de
pessoas muito bêbadas. Eu acho que o mais complicado é interpretar alguém muito
bêbado. Porque você parece bobo e exagerado.
Tem coisas pragmáticas nessa atuação. Por exemplo, se
você está muito, muito bêbado, você não protege a sua cabeça, você cai com ela
assim [inclina a cabeça]. Então, você precisa de um dublê para te ajudar.
Quando você está muito, muito bêbado, seus olhos parecem sem expressão. Um ator
sóbrio tem muita expressão no olhar e isso é um trabalho filmado, com muita
exposição. Então, tudo é captado. Tivemos que pedir ao departamento de
maquiagem para neutralizar os olhos deles. Então, tem vários elementos, a parte
do personagem e parte pragmática... como um bêbado cai?
G1 - ‘Druk’ é sobre um homem em crise de meia-idade.
‘A Comunidade’ é sobre uma mulher em crise de meia-idade. Por que você decidiu
tratar do assunto duas vezes?
Thomas Vinterberg - Imagino que é porque eu estou com
51 anos. Você deve escrever sobre o que você sabe. Eu não estou em uma crise de
meia-idade, porém, e eu não acho que estive em uma. Mas eu sei como você se
sente quando faz 50 anos e é parte de um mundo muito seguro, onde tem um
elemento de repetição que pode te pegar. Eu sei como é ansiar pela juventude e
leveza de ter 16, e ficar apaixonado. É como se você estivesse bêbado, sabe?
Esse filme não é autobiográfico de forma alguma, mas eu acho que é sobre algo
que eu sei.
No caso de “A Comunidade”, é sobre uma mulher. Eu
pensei que eu estava procurando por algo brutal da nossa cultura sobre o quão
difícil é envelhecer e ver a sua pele caindo, ser cancelado por alguém e jogado
fora. São duas histórias bem diferentes nesse sentido, eu acho. Mas a
brutalidade de envelhecer é algo que, definitivamente, está na minha cabeça.
G1 - Você disse que ir ao Oscar em 2014 foi como o
'nirvana de um cineasta'. Como você está se sentindo em relação à festa deste
ano?
Thomas Vinterberg - É uma experiência bem estranha e
diferente nesse ano, porque vai ser tudo online. Mas o que tem me comovido
nesse ano mais do que nunca é o carinho de todos os meus colegas, me ajudando
com essa campanha, amando o filme, sendo tão entusiasmados. Eu tenho ficado
aqui sentado, online, como estou com você, com todos os meus heróis. Tem sido
uma experiência incrível. Me sentar com Coppola, Del Toro, todas essas pessoas,
Sorrentino... ouvi-los falar do filme tem sido fantástico.
G1 - ‘Druk’ tem um tom muito diferente de ‘Submarino’.
‘Submarino’ é muito mais sombrio e sóbrio. Você achou que precisava de outra
abordagem para as questões do álcool e das drogas, de uma forma mais leve,
talvez?
Thomas Vinterberg - "Submarino” foi baseado em um
romance, que eu não escrevi. Não é um filme próprio, mas é um filme do qual
tenho muito orgulho. Ele tem uma perspectiva bem diferente e eu acho que é
incomparável com o que fizemos aqui. Esse filme é uma celebração da vida, é um
filme sobre viver, ao invés de apenas existir. "Submarino" explora o
que não é sequer a classe mais baixa, mas o que é a vida que está abaixo da
classe mais baixa. Você está em uma queda livre. "Submarino" é um
filme muito sombrio, e "Druk" é mais laranja, azul, mais quente.
G1 - Você teve alguma preocupação em ter o tom certo
sobre falar de bebidas?
Thomas Vinterberg - Ah, sim. A gente concordou que o
filme não deveria ser moralista. A gente também concordou que ele não deveria
ser feito para vender o álcool. Então, toda vez que a gente tinha alguma
preocupação com o tom, a gente aguardava o resultado do "experimento"
naqueles quatro homens e tentava fazer com o que fosse o mais verdadeiro possível.
O tom é uma coisa que existe se a gente sugerisse como você deve beber ou não
álcool, e a gente tentou se abster disso e não ficar olhando para nós mesmos.
G1 - Em muitas entrevistas, perguntam se você testou a
teoria de Skarderud [psiquiatra norueguês] em si mesmo e você diz que não. Por
que você acha que teorias como essa são tão fascinantes para todos? Quando eu
queria fazer alguém assistir ao filme, também expliquei a teoria...
"Isso é uma reflexão sobre o quão difícil é
viver. Bota um espelho na frente da gente. Quando ele diz que você vai ter mais
coragem, ficar mais criativo... isso está destacando o que a gente está
perdendo na nossa vida, o que é difícil de realizar."
Então, essa teoria, de um jeito polêmico, mostra o que
a natureza humana não nos proporciona de modo natural. É algo pelo qual você
tem que lutar. E a simplicidade com a qual a teoria é formulada faz ela ser
forte e divertida, ao mesmo tempo. Sempre que tenho alguma insegurança para
escrever, eu sinto a força dessa teoria... [risos]
G1 - Você está trabalhando agora em uma série
dramática de TV em seis partes, chamada ‘Famílias como a nossa’. Você poderia
me falar um pouco sobre isso? Como a televisão é diferente de fazer filmes?
Thomas Vinterberg - Eu sempre quis fazer uma série de
TV, desde quando eu fiz "Festa de Família". Porque eu sentia que a
gente tinha formado uma família e eu queria passar mais tempo com essa família.
No último dia de filmagens, eu me lembro de pensar "Meu Deus, já acabou?
Vamos continuar...".
Fazer TV é algo que estou começando a fazer, então não
posso dizer como é. Mas o processo de escrever é bem diferente. Eu posso
desdobrar mais, porque eu tenho mais tempo e a história que eu estou contando
precisa de mais tempo. É uma saga, então, 100 a 120 minutos não seria o
suficiente. Eu preciso pelo menos o dobro disso.
G1 - Lars von Trier concebeu os ideais do Dogma com
você, mas cada um seguiu seu próprio caminho. Vocês ainda mantêm contato? Qual
é sua opinião sobre o trabalho dele?
Thomas Vinterberg - A gente mantém contato, mas não
tanto. Eu o vi uns meses atrás e a gente combinou de se ver mais. Mas por algum
motivo isso não aconteceu. Mas eu sinto falta dele e quando a gente se vê é bem
divertido. Eu sempre fui fascinado com os filmes do Lars. Eu acho que ele é o
avant-garde do fazer cinematográfico. Eu acho o que ele faz hoje é
incrivelmente diferente do que eu faço, talvez seja o oposto do que eu faço,
mas ele tem sido uma grande inspiração para mim ao longo dos anos.
G1 - O que você acha que os filmes feitos por você e
ele têm em comum, além da busca pela veracidade?
Thomas Vinterberg - Eu acho que esse filme tem muito
em comum com os filmes do Lars, porque é um experimento social. Ele até me
lembra o que fizemos no Dogma, é sobre quatro pessoas pulando de um penhasco
juntos em um experimento que eles não sabem onde vai terminar. Tem um elemento
de risco, faz com que eles acordem e se inspirem. Isso foi exatamente o que a
gente fez com o Dogma. Eu também acho que esse filme tem muitos dos elementos
do filme dele "Os idiotas". Eu não tive contato nenhum com o Lars
para fazer esse filme ['Druk']. Ele sequer leu o roteiro, mas mantive contato
com ele na minha cabeça, eu acho.
G1 - Obrigado e boa sorte.
Thomas Vinterberg - Obrigado. Eu vou precisar...
Por
Braulio Lorentz, G1
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