terça-feira, 20 de abril de 2021

Dinamarquês indicado ao Oscar explica filme sobre viver bêbado: 'Reflexão sobre quão difícil é viver'



Thomas Vinterberg conta ao G1 que longa o manteve 'longe da insanidade' após morte da filha. Ele concorre a Melhor Direção e Filme Internacional com 'Druk', sobre crise de meia-idade.

 

Nas mãos de Thomas Vinterberg, uma teoria exdrúxula sobre viver levemente bêbado virou o tema do favorito ao Oscar de Melhor Filme Internacional. "Druk - Mais uma rodada" também fez o cineasta dinarmaquês de 51 anos ser pela primeira vez indicado ao prêmio de Melhor Direção.

Ao G1, o diretor conta que a ideia era seguir "sem julgamentos" o experimento de quatro professores, um deles vivido por Mads Mikkelsen, com quem já havia trabalhado em "A Caça" (2012). Em "Druk", o quarteto passa a manter um acréscimo de 0,05% na quantidade de álcool no sangue em busca de uma vida mais feliz e produtiva.

Vinterberg não queria fazer apologia e nem oferecer um porre de moralismo. "Essa teoria, de um jeito polêmico, mostra o que a natureza humana não nos proporciona de modo natural. É algo pelo qual você tem que lutar."

Na entrevista abaixo, o diretor diz que mantém contato com Lars Von Trier ("Dogville"), com quem concebeu o movimento Dogma. Nos anos 90, os dois propunham um cinema mais realista e sem tantos recursos (luz natural, câmera na mão, música ambiente). "Acho que o que ele faz hoje é incrivelmente diferente do que eu faço, talvez seja o oposto do que eu faço", compara.

Vinterberg também falou sobre como "Druk" o manteve "longe da insanidade", após a morte da filha em um acidente de carro, logo antes das filmagens. O longa marcaria a estreia de Ida Vinterberg, de 19 anos, como atriz. "Eu encontrei tanto amor no set. Eles me carregaram nesse momento de caos, no qual eu ainda estou."

G1 - Algumas pessoas podem entender o filme como uma celebração do álcool, mas outras veem que ‘Druk’ é sobre a vida. Como foi ver pessoas tão diferentes se conectando com o filme de maneiras tão diferentes?

Thomas Vinterberg - Tem um grau de satisfação pra mim. Se tem 500 pessoas no cinema, eu acho que eles vão ver e espero que eles vejam 500 filmes diferentes. Como você viu, o filme tem um final aberto. Ele pode voar ou pode cair. É o que a gente queria com isso: é uma pesquisa, não é um julgamento. É uma exploração e é por isso que as pessoas podem interpretar de modos diferentes.

G1 - ‘Druk’ é sobre levar a vida de uma forma positiva. Como você conseguiu fazer um filme desse tipo, enquanto estava tendo problemas em sua vida pessoal?

Thomas Vinterberg - [longa pausa] Foi muito difícil e ainda é. Talvez esse filme tenha me deixado longe da insanidade. Ele me deu estrutura. Eu encontrei tanto amor no set. Eles me carregaram nesse momento de caos, no qual eu ainda estou. Talvez eu tivesse um propósito em fazer esse filme. Foram muitas emoções diferentes. Às vezes, era mais difícil os momentos em que não estava filmando, como ir ao banheiro. Foram tempos tão difíceis. Eu não sei como descrever. Minha vida foi um pouco uma extensão do final do filme: um monte de celebrações e então muito luto.

G1 - Você disse que se tivesse filmado ‘Druk’ há vinte anos, teria feito mais como uma provocação. O que há de bom e de ruim em ser menos provocador hoje?

Thomas Vinterberg - A provocação é algo que você faz para ter uma reação. É algo que você faz sem uma responsabilidade. Tem um elemento de vaidade nisso, muitas vezes. Então, você se coloca no centro mais do que o mundo que você está olhando. Quando você está tentando criar um todo, é bom você se colocar em uma posição neutra e mirar a câmera para longe de você mesmo e em direção ao mundo. Você tem uma exploração mais honesta do que a provocação.

G1 - Fiquei impressionado com a aparência dos atores realmente bêbados, embora não tenham bebido no set. Mas é muito difícil brincar de bêbado, eu sei que você teve alguns ensaios com bebidas. Como foi essa experiência?

Thomas Vinterberg - Foi um trabalho duro, mas muito divertido também. Nos ensaios, eles beberam um pouco de cerveja. Eles tentaram ser professores uns dos outros em diferentes níveis de embriaguez. Eles aprenderam muito com isso e aprenderam muito quando ficaram se observando, porque nós gravamos tudo. Depois, a gente ficou assistindo vídeos no YouTube de pessoas muito bêbadas. Eu acho que o mais complicado é interpretar alguém muito bêbado. Porque você parece bobo e exagerado.

Tem coisas pragmáticas nessa atuação. Por exemplo, se você está muito, muito bêbado, você não protege a sua cabeça, você cai com ela assim [inclina a cabeça]. Então, você precisa de um dublê para te ajudar. Quando você está muito, muito bêbado, seus olhos parecem sem expressão. Um ator sóbrio tem muita expressão no olhar e isso é um trabalho filmado, com muita exposição. Então, tudo é captado. Tivemos que pedir ao departamento de maquiagem para neutralizar os olhos deles. Então, tem vários elementos, a parte do personagem e parte pragmática... como um bêbado cai?

G1 - ‘Druk’ é sobre um homem em crise de meia-idade. ‘A Comunidade’ é sobre uma mulher em crise de meia-idade. Por que você decidiu tratar do assunto duas vezes?

Thomas Vinterberg - Imagino que é porque eu estou com 51 anos. Você deve escrever sobre o que você sabe. Eu não estou em uma crise de meia-idade, porém, e eu não acho que estive em uma. Mas eu sei como você se sente quando faz 50 anos e é parte de um mundo muito seguro, onde tem um elemento de repetição que pode te pegar. Eu sei como é ansiar pela juventude e leveza de ter 16, e ficar apaixonado. É como se você estivesse bêbado, sabe? Esse filme não é autobiográfico de forma alguma, mas eu acho que é sobre algo que eu sei.

No caso de “A Comunidade”, é sobre uma mulher. Eu pensei que eu estava procurando por algo brutal da nossa cultura sobre o quão difícil é envelhecer e ver a sua pele caindo, ser cancelado por alguém e jogado fora. São duas histórias bem diferentes nesse sentido, eu acho. Mas a brutalidade de envelhecer é algo que, definitivamente, está na minha cabeça.

G1 - Você disse que ir ao Oscar em 2014 foi como o 'nirvana de um cineasta'. Como você está se sentindo em relação à festa deste ano?

Thomas Vinterberg - É uma experiência bem estranha e diferente nesse ano, porque vai ser tudo online. Mas o que tem me comovido nesse ano mais do que nunca é o carinho de todos os meus colegas, me ajudando com essa campanha, amando o filme, sendo tão entusiasmados. Eu tenho ficado aqui sentado, online, como estou com você, com todos os meus heróis. Tem sido uma experiência incrível. Me sentar com Coppola, Del Toro, todas essas pessoas, Sorrentino... ouvi-los falar do filme tem sido fantástico.

G1 - ‘Druk’ tem um tom muito diferente de ‘Submarino’. ‘Submarino’ é muito mais sombrio e sóbrio. Você achou que precisava de outra abordagem para as questões do álcool e das drogas, de uma forma mais leve, talvez?

Thomas Vinterberg - "Submarino” foi baseado em um romance, que eu não escrevi. Não é um filme próprio, mas é um filme do qual tenho muito orgulho. Ele tem uma perspectiva bem diferente e eu acho que é incomparável com o que fizemos aqui. Esse filme é uma celebração da vida, é um filme sobre viver, ao invés de apenas existir. "Submarino" explora o que não é sequer a classe mais baixa, mas o que é a vida que está abaixo da classe mais baixa. Você está em uma queda livre. "Submarino" é um filme muito sombrio, e "Druk" é mais laranja, azul, mais quente.

G1 - Você teve alguma preocupação em ter o tom certo sobre falar de bebidas?

Thomas Vinterberg - Ah, sim. A gente concordou que o filme não deveria ser moralista. A gente também concordou que ele não deveria ser feito para vender o álcool. Então, toda vez que a gente tinha alguma preocupação com o tom, a gente aguardava o resultado do "experimento" naqueles quatro homens e tentava fazer com o que fosse o mais verdadeiro possível. O tom é uma coisa que existe se a gente sugerisse como você deve beber ou não álcool, e a gente tentou se abster disso e não ficar olhando para nós mesmos.

G1 - Em muitas entrevistas, perguntam se você testou a teoria de Skarderud [psiquiatra norueguês] em si mesmo e você diz que não. Por que você acha que teorias como essa são tão fascinantes para todos? Quando eu queria fazer alguém assistir ao filme, também expliquei a teoria...

"Isso é uma reflexão sobre o quão difícil é viver. Bota um espelho na frente da gente. Quando ele diz que você vai ter mais coragem, ficar mais criativo... isso está destacando o que a gente está perdendo na nossa vida, o que é difícil de realizar."

Então, essa teoria, de um jeito polêmico, mostra o que a natureza humana não nos proporciona de modo natural. É algo pelo qual você tem que lutar. E a simplicidade com a qual a teoria é formulada faz ela ser forte e divertida, ao mesmo tempo. Sempre que tenho alguma insegurança para escrever, eu sinto a força dessa teoria... [risos]

G1 - Você está trabalhando agora em uma série dramática de TV em seis partes, chamada ‘Famílias como a nossa’. Você poderia me falar um pouco sobre isso? Como a televisão é diferente de fazer filmes?

 

Thomas Vinterberg - Eu sempre quis fazer uma série de TV, desde quando eu fiz "Festa de Família". Porque eu sentia que a gente tinha formado uma família e eu queria passar mais tempo com essa família. No último dia de filmagens, eu me lembro de pensar "Meu Deus, já acabou? Vamos continuar...".

Fazer TV é algo que estou começando a fazer, então não posso dizer como é. Mas o processo de escrever é bem diferente. Eu posso desdobrar mais, porque eu tenho mais tempo e a história que eu estou contando precisa de mais tempo. É uma saga, então, 100 a 120 minutos não seria o suficiente. Eu preciso pelo menos o dobro disso.

G1 - Lars von Trier concebeu os ideais do Dogma com você, mas cada um seguiu seu próprio caminho. Vocês ainda mantêm contato? Qual é sua opinião sobre o trabalho dele?

Thomas Vinterberg - A gente mantém contato, mas não tanto. Eu o vi uns meses atrás e a gente combinou de se ver mais. Mas por algum motivo isso não aconteceu. Mas eu sinto falta dele e quando a gente se vê é bem divertido. Eu sempre fui fascinado com os filmes do Lars. Eu acho que ele é o avant-garde do fazer cinematográfico. Eu acho o que ele faz hoje é incrivelmente diferente do que eu faço, talvez seja o oposto do que eu faço, mas ele tem sido uma grande inspiração para mim ao longo dos anos.

G1 - O que você acha que os filmes feitos por você e ele têm em comum, além da busca pela veracidade?

Thomas Vinterberg - Eu acho que esse filme tem muito em comum com os filmes do Lars, porque é um experimento social. Ele até me lembra o que fizemos no Dogma, é sobre quatro pessoas pulando de um penhasco juntos em um experimento que eles não sabem onde vai terminar. Tem um elemento de risco, faz com que eles acordem e se inspirem. Isso foi exatamente o que a gente fez com o Dogma. Eu também acho que esse filme tem muitos dos elementos do filme dele "Os idiotas". Eu não tive contato nenhum com o Lars para fazer esse filme ['Druk']. Ele sequer leu o roteiro, mas mantive contato com ele na minha cabeça, eu acho.

G1 - Obrigado e boa sorte.

Thomas Vinterberg - Obrigado. Eu vou precisar...

Por Braulio Lorentz, G1


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