O hidrogênio (H2) é o elemento mais abundante do universo e pode ser a chave para 'descarbonizar' o planeta — Foto: ISTOCK por BBC |
O chamado hidrogênio renovável, que é 100% sustentável e três vezes mais potente que a gasolina, pode ser uma forma de evitar os piores impactos das mudanças climáticas.
Os cientistas deixaram claro: se quisermos evitar os
piores impactos das mudanças climáticas, devemos encontrar uma maneira de
impedir que as temperaturas globais continuem subindo.
O desafio é imenso. As temperaturas já estão 1°C acima
dos níveis pré-industriais e, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), uma alta adicional de apenas
0,5 °C é suficiente para que os efeitos sejam devastadores.
Diante deste cenário, muitos países estão buscando
urgentemente formas de suprir suas demandas energéticas sem continuar
prejudicando o meio ambiente.
Uma das soluções que algumas nações estão
desenvolvendo é o hidrogênio verde, também conhecido como hidrogênio renovável.
Recentemente, o fundador da Microsoft, Bill Gates —
que lançou um livro intitulado Como evitar um desastre climático —, classificou
esse combustível como a melhor inovação dos últimos tempos para combater o
efeito estufa.
"Não sei se vamos conseguir (produzir hidrogênio
verde a um preço acessível), mas, se conseguirmos, isso resolveria muitos
problemas", disse ele no podcast Armchair Expert.
"Me anima que se fale muito sobre como alcançar
isso. Isso não acontecia há três ou quatro anos", acrescentou.
O que é
hidrogênio verde?
O hidrogênio é o elemento químico mais abundante do
universo. As estrelas, como o nosso Sol, são formadas principalmente por esse
gás, que também pode assumir o estado líquido.
O hidrogênio é muito poderoso: tem três vezes mais
energia do que a gasolina.
Mas, ao contrário dela, é uma fonte de energia limpa,
uma vez que só libera água (H2O), na forma de vapor, e não produz dióxido de
carbono (CO2).
No entanto, embora existam há muitos anos tecnologias
que permitem usar o hidrogênio como combustível, há várias razões pelas quais
até agora ele só foi usado em ocasiões especiais (como para impulsionar as
espaçonaves da Nasa, a agência espacial americana).
Uma delas é que é considerado perigoso por ser
altamente inflamável — por isso, transportá-lo e armazená-lo com segurança é um
grande desafio.
Mas um obstáculo ainda maior tem a ver com as
dificuldades para produzi-lo.
Na Terra, o hidrogênio só existe em combinação com
outros elementos. Ele está na água, junto ao oxigênio, e se combina com o
carbono para formar hidrocarbonetos, como gás, carvão e petróleo. Portanto, o
hidrogênio precisa ser separado de outras moléculas para ser usado como
combustível.
E conseguir isso requer grandes quantidades de
energia, além de ser muito caro.
Até agora, os hidrocarbonetos eram usados para
gerar essa energia, então a produção de
hidrogênio continuava a poluir o meio ambiente com CO2.
Há alguns anos, contudo, o hidrogênio começou a ser
produzido a partir de energias renováveis, como solar e eólica,
por meio de um processo chamado eletrólise.
A eletrólise usa uma corrente elétrica para dividir a
água em hidrogênio e oxigênio em um dispositivo chamado eletrolisador.
O resultado é o chamado hidrogênio verde, que é 100%
sustentável, mas muito mais caro de se produzir do que o hidrogênio
tradicional.
No entanto, muitos acreditam que ele pode oferecer uma
solução ecológica para algumas das indústrias mais poluentes, incluindo a de
transportes, química, siderúrgica e de geração de energia.
Uma aposta para o futuro
Atualmente, 99% do hidrogênio usado como combustível é
produzido a partir de fontes não-renováveis.
E menos de 0,1% é produzido por meio da eletrólise da
água, de acordo com a Agência Internacional de Energia.
No entanto, muitos especialistas em energia preveem
que isso mudará em breve.
As pressões para reduzir a poluição ambiental têm
levado uma série de países e empresas a apostar nesta nova forma de energia
limpa, que muitos acreditam ser essencial para "descarbonizar" o
planeta.
Companhias de petróleo como Repsol, BP e Shell estão
entre as que lançaram projetos de hidrogênio verde.
E vários países anunciaram planos de produção nacional
deste combustível renovável.
Isso inclui a União Europeia (UE) que, em meados de
2020, se comprometeu a investir US$ 430 bilhões em hidrogênio verde até 2030.
A intenção da UE é instalar eletrolisadores de
hidrogênio renovável de 40 gigawatts (GW) na próxima década, para alcançar sua
meta de ter impacto neutro no clima até 2050.
Por sua vez, o novo presidente dos Estados Unidos, Joe
Biden, prometeu em seu plano energético que vai garantir "que o mercado
possa ter acesso ao hidrogênio verde ao mesmo custo do hidrogênio convencional
em uma década, proporcionando uma nova fonte de combustível limpo para algumas
centrais elétricas existentes. "
Queda
de preços
No fim de 2020, sete empresas internacionais que
desenvolvem projetos de hidrogênio verde lançaram a iniciativa Green Hydrogen
Catapult (Catapulta de Hidrogênio Verde), como parte da campanha Race to Zero
(Corrida por Zero Emissões) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas.
Esta coalizão global — formada pelo grupo saudita de
energia limpa ACWA Power, a desenvolvedora australiana CWP Renewables, a
fabricante chinesa de turbinas eólicas Envision, as gigantes europeias de
energia Iberdrola e Ørsted, o grupo de gás italiano Snam e a produtora norueguesa
de fertilizantes Yara — quer que a indústria seja multiplicada por 50 nos
próximos seis anos.
E também pretende reduzir o custo atual do hidrogênio
renovável pela metade, para menos de US$ 2 por quilo.
Um relatório publicado em agosto de 2020 pela consultoria
de energia Wood Mackenzie sugere que eles estão no caminho certo: o documento
estima que os custos cairão até 64% na próxima década.
Enquanto isso, o banco de investimento Goldman Sachs
estimou em setembro do ano passado que o mercado de hidrogênio verde
ultrapassará US$ 11 trilhões em 2050.
Os
países líderes
Todo esse otimismo em torno do que a revista Forbes
chamou de "a energia do futuro" está relacionado a uma série de
megaprojetos que estão sendo planejados ao redor do mundo.
Essas obras — que já foram anunciadas, mas na maioria
dos casos estão em fase de planejamento — representariam uma grande expansão do
mercado de hidrogênio verde, ampliando a capacidade atual de cerca de 80 GW
para mais de 140 GW.
A seguir, confira quais são os seis países que estão
desenvolvendo os maiores projetos de produção de hidrogênio verde.
Austrália
O maior país da Oceania lidera os planos de produção
deste novo combustível limpo com propostas para a construção de 5 megaprojetos
em seu território, graças aos seus vastos recursos energéticos renováveis,
especialmente energia eólica e solar.
O maior projeto — do país e do mundo — é o Asian
Renewable Energy Hub, em Pilbara, na Austrália Ocidental, onde está prevista a
construção de uma série de eletrolisadores com capacidade total de 14 GW.
A previsão é de que o projeto de US$ 36 bilhões esteja
pronto até 2027-28.
Os outros quatro projetos — dois na Austrália
Ocidental e dois em Queensland, no leste — ainda estão na fase de planejamento
inicial, mas acrescentariam outros 13,1 GW se aprovados.
Por tudo isso, alguns estão chamando a Austrália de
"a Arábia Saudita do hidrogênio verde".
Holanda
A petrolífera anglo-holandesa Shell lidera junto a
outros desenvolvedores o projeto NortH2 no Porto do Ems, no norte da Holanda,
que prevê a construção de pelo menos 10 GW de eletrolisadores.
A meta é ter 1GW até 2027 e 4GW até 2030, utilizando a
energia eólica offshore.
O estudo de viabilidade do projeto, cujo custo não foi
divulgado, será concluído em meados deste ano.
A ideia é utilizar o hidrogênio gerado para abastecer
a indústria pesada tanto na Holanda quanto na Alemanha.
Alemanha
Os alemães também têm seus próprios projetos de
hidrogênio verde em território nacional. O maior é o AquaVentus, na pequena ilha
de Heligoland, no Mar do Norte.
O plano é construir ali 10 GW de capacidade até 2035.
Um consórcio de 27 empresas, instituições de pesquisa
e organizações — incluindo a Shell — está promovendo o projeto, que usará os
fortes ventos da região como fonte de energia.
Um segundo projeto menor está sendo planejado em
Rostock, na costa norte da Alemanha, onde um consórcio liderado pela empresa de
energia local RWE pretende construir mais 1 GW de energia verde.
China
O gigante asiático é o maior produtor mundial de
hidrogênio, mas até agora usou hidrocarbonetos para gerar quase toda essa
energia.
No entanto, o país está dando agora os primeiros
passos no mercado de hidrogênio verde com a construção de um megaprojeto na
Mongólia Interior (região autônoma da China), no norte do país.
O projeto é liderado pela concessionária estatal
Beijing Jingneng, que investirá US$ 3 bilhões para gerar 5 GW a partir de
energia eólica e solar.
A previsão é que o projeto fique pronto ainda neste
ano.
Arábia
Saudita
O país árabe com as maiores reservas de petróleo
também planeja entrar no mercado de hidrogênio verde, com o projeto Helios
Green Fuels.
Ele será baseado na "cidade inteligente"
futurística de Neom, às margens do Mar Vermelho, na província de Tabuk, no
noroeste do país.
A previsão é de que o projeto de US$ 5 bilhões instale
4 GW de eletrolisadores até 2025.
Chile
O país sul-americano, considerado uma das mecas da
energia solar, foi o primeiro da região a apresentar uma "Estratégia
Nacional de Hidrogênio Verde" em novembro de 2020.
É também a única nação latino-americana com dois
projetos em desenvolvimento: o HyEx, da empresa francesa de energia Engie e da
empresa chilena de serviços de mineração Enaex; e o Highly Innovative Fuels
(HIF), da AME, Enap, Enel Green Power, Porsche e Siemens Energy.
O primeiro, com sede em Antofagasta, no norte do
Chile, usará energia solar para abastecer eletrolisadores de 1,6 GW. E o
hidrogênio verde gerado será usado na mineração.
Um teste piloto inicial planeja instalar 16 MW até
2024.
O projeto HIF, no extremo oposto do Chile, na Região
de Magalhães e da Antártida Chilena, usará energia eólica para gerar
combustíveis à base de hidrogênio.
Segundo informações da empresa AME, "o projeto
piloto utilizará um eletrolisador de 1,25 MW e nas fases comerciais será
superior a 1 GW".
O ministro da Energia do Chile, Juan Carlos Jobet,
destacou que o país não busca apenas gerar hidrogênio verde para cumprir sua
meta de atingir a neutralidade de carbono até 2050, mas também deseja exportar
esse combustível limpo no futuro.
"Se fizermos as coisas direito, a indústria do
hidrogênio verde no Chile pode ser tão importante quanto a mineração, a
silvicultura ou como o salmão já foi", disse ele à revista Electricidad.
Por BBC
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